Essa foto não faz jus à minha boa amiga como resolução gráfica porque devo ter clicado com uma daquelas câmeras bem mambembes. Mas por outro lado me traz de volta a lembrança de uma das pessoas mais queridas e de quem mais gostei na vida.
Conheci a Nair quando eu tinha uns doze anos, indo com o meu irmão gêmeo Sergio comprar material na livraria Cultura, que ficava num sobradinho na Rua Augusta. O ano era 1962.
Subimos a escada que levava ao primeiro andar e entramos no espaço da loja, e me recordo de ter ficado meio perplexos diante de tanta coisa para ver.
De repente surgiu essa moça que veio em nossa direção para dar assistência. Com sua voz doce, começou a conversar de uma maneira cativante e que jamais nos esquecemos. Além de perguntar o que queríamos começou a nos mostrar livros e falar sobre eles.
Francamente foi paixão a primeira vista. Eu me lembro de ter perguntado a ela se era norte americana. Costumávamos andar bastante pela Augusta porque morávamos perto do Clube Paulistano e estudávamos no Dante Alighieri. Naquela época a rua tinha boas livrarias e papelaria, como a Mestre Jou e a Melhoramentos.
Em nossas andanças pelas lojas não era comum ver uma figura tão carismática como ela. Além do fato de não estarmos acostumados de ver uma mulher negra tão culta e articulada.
A nossa história ficou interrompida por uns anos, depois desse primeiro contato, mas a lembrança permaneceu.
Fui reencontrar novamente a Nair em 1975, aos 25 anos, quando ela tinha acabado de sair da livraria cultura para montar a sua própria, a Contexto, na região dos Jardins. Eu sempre fui extremamente curioso, além de ser um rato de livrarias e de sebos de livros e discos. La estava essa mulher, que eu lembrava de rosto, mas não conseguia saber de onde. Papo vai, papo vem, desvendamos o mistério. Era ela, a fada madrinha de nossa infância em pessoa. Ela tinha uma sócia, mas na verdade a alma da livraria era a Nair. Ficamos conversando por horas e ela sabia exatamente quem eu era também pelo fato de eu ser gêmeo e ruivinho, o que ajudou muito na hora de refrescar a memória. Lembro-me dela mostrando com todo carinho os livros e principalmente algo do qual ela se orgulhava, que era a seção infantil.
Naquele dia saí de lá estupefato, e cheio de vontade de compartilhar isso tudo com o meu irmão. Não lembro bem porque, mas depois disso fiquei uns tempos sem voltar lá. Um dia voltei com o meu irmão porque queria que ele visse a nossa querida vendedora americana. Mas a livraria havia fechado e ela tinha se mudado para a Rua José Getúlio, na Aclimação. Quando eu soube disso fui correndo ver a minha musa. E por uma dessas obras do destino a livraria era quase do lado da confecção e malharia da minha família. Ao entrar, lá estava ela numa reunião com diversos amigos na maior prosa. Depois desse reencontro nunca mais deixei de vê-la e construímos uma bela amizade da qual me lembro com o maior carinho e saudade.
A Nair nos deixou em 1984 com 53 anos, e eu estou hoje com 61.Através dela conheci pessoas maravilhosas como a sua irmã Nezinha, sua filha marta, a Dra. Rebeca, e outros amigos dela como o Renato, e algumas personalidades ligadas á cultura como Estevão Maia Maia, Dr. José Correia Leite e Júlio Gouveia.
A Nair estava engajada nos movimentos de emancipação do negro no Brasil e num universo espiritualista, que me cativava muito naquela época. Mas nunca me esqueço do que ela costumava dizer de maneira brincalhona a respeito desse outro mundo. Que ela tinha todos eles na sua mão, mas ninguém tinha a sua, referindo-se a todos os lugares ligados ao ocultismo dos quais ela participava. Meu fascínio pelo esoterismo acabou com a perda dessa amiga. Mas recordo com carinho as horas sem fim que ficávamos discutindo e filosofando sobre tudo isso, e dos lindos romances que ela me deu para ler e que guardo com todo o coração como parte dessa deliciosa lembrança que me faz chorar só de pensar.
Encontrei alguma referencias na web sobre a pessoa da Nair: